A pandemia nos trouxe um desses grandes paradoxos: milhões de pessoas mundo afora passaram a trabalhar remotamente, em casa, através de computadores conectados à internet.
Essa nova realidade laboral é um progresso do ponto de vista humano? Parafraseando uma das máximas de Tom Jobim pode se responder que “trabalhar em casa é bom, mas é ruim; trabalhar na empresa é ruim, mas é bom”.
Creio que, como regra geral, há mais desvantagens do que vantagens no trabalho domiciliar. E isso vale tanto para o empregado como para o empregador.
Claro que essa “regra geral presumida” tem tantas exceções que podem invalidar qualquer proposição, pois há muitas variáveis envolvidas, como o tipo de atividade econômica empresarial, a natureza da prestação laboral, a proximidade da sede da empresa e acessibilidade de transporte público, a personalidade e psiquê individual de cada trabalhador, os recursos disponíveis na residência do empregado e no seu ambiente familiar, os meios de controle sobre a pessoa do empregado, entre tantos outros fatores importantes para a implantação bem-sucedida de Home Office.
Mesmo na presença de condições favoráveis, creio que a experiência do Home Office implica em vários prejuízos – ao empregado e ao empregador – pela perda da “sociabilidade laboral”.
A identidade de homens e mulheres como trabalhadores ou trabalhadoras é forjada no convívio sob a similaridade de relações de trabalho. A “solidariedade de classe” é impossível de ser formada sem a existência de vínculos prévios suscitados pela convivialidade e identificação no “outro” da similitude de condições de vida.
Isso poderia parecer uma “vantagem” aparente ao empregador: a redução da solidariedade de classe pela falta de convívio social certamente dificulta a organização dos trabalhadores e a ação sindical.
Mas essa vantagem ilusória obscurece uma outra desvantagem ao empregador decorrente da perda de sociabilidade laboral, com grande potencial para reduzir os seus lucros: o desestímulo ao trabalho em equipe e à competição entre os trabalhadores por promoção na carreira.
O empregado que trabalha sozinho em casa reluta muito mais a trocar ideias com colegas do que aquele que executa as tarefas presencialmente; da mesma forma, os empregados em Home Office costumam executar suas atividades de forma mais burocrática e desinteressada, por acreditar que o seu empenho não está sendo devidamente avaliado, buscando “livrar-se” dos encargos o mais rápido possível para maximizar o seu tempo em casa.
Muitas empresas nos Estados Unidos que adotaram o Home Office no início dos anos 2000 acabaram revertendo a prática porque ela provocou enorme perda de criatividade em suas equipes, especialmente em setores onde isso é fundamental, como publicidade, design, serviços jurídicos, desenvolvimento de software, vendas, etc.
Outro aspecto ainda pouco estudado por psicólogos laborais diz respeito ao impacto diverso que o Home Office pode provocar nos trabalhadores conforme a sua idade e estado civil.
Depois de sair do colégio ou da faculdade, é no trabalho onde a maior parte das pessoas jovens e solteiras estabelece seus mais consistentes laços sociais, o que inclui a facilitação para encontrar o futuro companheiro ou companheira.
Embora esses fatos possam parecer anedóticos, o impacto psicológico do Home Office em pessoas solteiras, e que muitas vezes vivem sozinhas, não pode ser desprezado, já que a solidão e a anomia podem levar a quadros de depressão, desinteresse pelo trabalho e baixa produtividade laboral.
Esse é certamente um fator que explica por que pessoas casadas e com filhos tendem a preferir o Home Office em relação a empregados solteiros e sem filhos.
Mesmo para os grupos que dizem preferir o Home Office, como os trabalhadores casados com filhos, esse novo regime de trabalho pode representar um “canto da sereia”, já que os seus efeitos deletérios talvez só possam ser avaliados no longo prazo.
Como já referido, o trabalho domiciliar é um forte embaraço à ação sindical, o que pode significar achatamento salarial ao longo do tempo. Além disso, o empregador tende naturalmente a priorizar a negociação individual com os trabalhadores em Home Office do que a resolver problemas de trabalho coletivamente com um representante dos trabalhadores.
A própria existência de um contrato formal de trabalho fica ameaçada, já que muitos empregadores, diante da aparente flexibilidade do trabalho em domicílio e da fragilidade de representação coletiva, podem ficar inclinados a transformar (ilegalmente) seus empregados em “pessoas jurídicas”, especialmente no atual quadro de insegurança trazido pelas sucessivas “reformas trabalhistas”.
Além disso, custos que tradicionalmente são suportados pelo empregador, como energia, despesas imobiliárias, asseio e conservação, conexão com internet, mobiliário ergonômico e alimentação, entre outros, passam a ser administrados pelo empregado, se não houver negociação individual ou coletiva em contrário.
Embora esses custos possam parecer pequenos quando analisados em módulo mensal, podem representar mais uma forma de achatamento salarial no longo prazo.
A própria ideia de que se “trabalha menos” em casa é bastante duvidosa. Os controles laborais por meio de algoritmos que vêm sendo desenvolvidos pela cibernética (neotaylorismo) tendem a estabelecer metas que induzem à aceleração do ritmo de trabalho, ainda que remotamente.
A forma como nos relacionamos com o trabalho – deslocando-nos diariamente de casa até a empresa ou repartição e lá cumprindo um expediente – é relativamente recente na história da humanidade.
Ela foi estabelecida apenas nos últimos dois séculos e meio, como resultado da Revolução Industrial, cuja lógica de trabalho centralizado e sob o relógio foi expandida para além da fábrica, sendo implantada no comércio, na administração pública e no setor de serviços.
Mas a técnica em si de controle laboral não desaparecerá com o trabalho remoto, pois não há capitalismo sem “compra de trabalho” e sem vigilância sobre a fiel execução desse contrato.
Bom ou ruim, é preciso lembrar que o Home Office é apenas uma nova e refinada forma de imposição desses mecanismos de controle, que precisa ser muito bem regulada pelo Direito para preservar a esfera individual inalienável de liberdade, intimidade e privacidade dos trabalhadores.

Essa técnica, tão essencial ao capitalismo moderno, pressupõe tradicionalmente o controle presencial ou semipresencial do empregador sobre a pessoa do empregado.