Rodolfo Juarez

Era uma tarde de domingo, sol, estádio lotado, final do campeonato amapaense, a 9 dias do Natal. Em campo um supercampeão, o Espore Clube Macapá, e o adversário que chegava a uma decisão pela primeira vez, o Guarany Atlético Clube.
Nesse tempo o prefeito de Macapá era Cleyton Figueiredo de Azevedo, um mato-grossense que fora nomeado prefeito pelo governador Artur Azevedo Henning, um comandante da Marinha do Brasil, também nomeado pelo presidente do Brasil, general Ernesto Geisel. Nesse tempo as eleições estavam suspensas.
Vivíamos o tempo mais opressivo da ditadura militar instalada em 1964 e estávamos às vésperas do Ato Institucional n.º 5, que deixaria marcas indeléveis na liberdade e na vida daqueles que se dispunha a enfrentar, ideologicamente e jornalisticamente, os princípios que vinham sendo impostos pelos governos militares.
A população de Macapá era induzida a fazer tudo o que pudesse para desviar a atenção do que vinha sendo adotado nos “porões”. Uma possibilidade interessante era o futebol, levando em consideração que o prefeito e o governador do Território tinham assumido seus cargos no primeiro semestre de 1974.
O Estádio Glicerão, como era mais conhecido, tinha recebido melhorias e o campo de jogo, já cansado pela competição que chegava ao seu final, não apresentava as condições ideais, mas com a vontade e a capacidade dos atletas, havia a certeza de que seria um bom jogo, ainda mais porque as equipes esportivas da Rádio Equatorial e Macapá e da Rádio Difusora de Macapá estavam motivadas, tanto quanto os jogadores, técnicos e dirigentes dos dois times: Macapá e Guarani.
O time do Macapá, o Azulino da Avenida FAB, tinha em seu elenco um jogador que despontava com especial talento, Bira, Ubiratan Silva do Espírito Santo, que chegava à sua primeira final com credenciais especiais, depois que tinha chamado a atenção de “cartolas” de Belém do Pará e de Manaus, no Amazonas.
Aqui também, o torcedor já descobrira que o jogador Bira além de vontade, capacidade física e técnica, tinha o especial talento para dar assistência aos companheiros e marcar gols de todas as maneiras que se possa imaginar. Irmão de outros jogadores muito bons, como Haroldo Santos e Marco Antonio (nesse tempo Aldo era apenas um promissor jogador de 14 anos).
Às 16 horas a bola rolou no campo do Glicerão. Naquela época a saída da bola da marca central do campo não poderia ser por recuo, como agora é permitido. Então, Marco Antonio, no primeiro lance tocou para o Bira que estava ao seu lado, dando início à decisão, narrada por Nilson Montoril, titular da Rádio Equatorial de Macapá que liderava a audiência na cidade.
Eu no bando do Macapá, exercendo a função de técnico, ao lado de Sacaca, como massagista, e todos os demais membros da comissão técnica, via o time começar mostrando superioridade. No outro banco, o do Gaurani, tendo como técnico o meu irmão Clodoaldo Juarez, que justificava a sua chegada, pela primeira vez, em uma decisão.
O jogo foi 3 x 2, Bira marcou um dos gols e o Marco Antonio os outros dois.
Quando o juiz apitou o final da partida a alegria dos jogadores, de todos da comissão técnica, da diretoria e dos torcedores que lotaram o estádio, foi contagiante, especialmente para o Bira que sabia estar com olheiros de Belém e de Manaus observando o seu desempenho.
Depois deste jogo o assédio sobre o principal jogador do campeonato foi muito grande e entre outros, estavam, além dos dois irmãos, Albano (que foi para o Atlético Mineiro), o goleiro Aluizio (que foi para o Paysandu), Castelo, Aldemir França, Canhoto, Antúsio e os demais do elenco.
Depois do Paysandu Bira fez história no Remo, no Internacional e Atlético Mineiro, Náutico e mais outros clubes no Brasil e no Exterior até enveredar pela carreira de técnico e, mais tarde, comentarista esportivo.
A morte do Bira, no dia 14 de setembro deste ano, deixa uma poderosa interrogação: por que o Bira, com tanta história boa e tanto talento, não alcançou o respeito das autoridades administrativas do Governo e da Prefeitura?