Lei de proteção a dados criminais, mudanças na lei de lavagem de dinheiro e alterações na lei de improbidade.
Os mecanismos de combate ao desvio de dinheiro público sofreram uma série de reveses ao longo de 2020 e, ao que tudo indica, o “ataque” deve continuar. Câmara e Senado podem votar em 2021 pelo menos três projetos que enfraquecem o combate à corrupção no país.

1. Lei de Proteção de Dados Criminais
O projeto da Lei Geral de Proteção de Dados Criminais é a ameaça mais recente ao combate à corrupção. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebeu em dezembro a minuta do anteprojeto encaminhada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Nefi Cordeiro.
A Lei Geral de Proteção de Dados Criminais busca, em teoria, resguardar informações privadas em investigações. Na prática, porém, é vista por integrantes de órgãos de investigação como mais um entrave para os órgãos de controle, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ou mesmo para a colaboração entre órgãos internacionais em investigações.
Um dos pontos mais preocupantes da minuta do projeto, conforme os órgãos de investigação, está no artigo 14: “o tratamento de dados pessoais sigilosos somente poderá ser realizado se estiver previsto em lei e para atividades de persecução penal” e “o acesso a dados pessoais sigilosos por meio de ferramentas de investigação e medidas cautelares de obtenção de prova deve observar a legislação especial aplicável”.
Para integrantes de órgãos de investigação, essa redação abre brecha para barrar algumas investigações. Seria, por exemplo, o caso das investigações envolvendo o ex-assessor de Fabrício de Queiroz, no caso das “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A investigação começou com a análise de dados do Coaf – que originalmente não faz investigações criminais, mas repassa dados suspeitos para os órgãos responsáveis.
Também haveria brechas para se barrar, por exemplo, as investigações relacionadas ao desvio de recurso da Petrobras comandado pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que contaram com a colaboração do Ministério Público da Suíça.

2. Mudanças na Lei de Lavagem de Dinheiro
Em setembro, Rodrigo Maia criou uma comissão de juristas para sugerir mudanças na Lei de Lavagem de Dinheiro, em vigor desde 1998.
O grupo, formado por 43 juristas, discute propostas para atualização da legislação, mas a discussão tem causado preocupação em integrantes do Ministério Público, que temem retrocessos no combate à corrupção.
O colegiado que vai propor as mudanças é formado majoritariamente por advogados de investigados, réus e condenados por esse tipo de crime.
Antes mesmo de iniciar as audiências públicas para ouvir entidades com expertise em investigações de lavagem de dinheiro, a comissão se reuniu a portas fechadas para discutir algumas propostas de alterações na legislação atual.
Entre as propostas levantadas está retirar do rol de crimes de lavagem a mera ocultação de bens e valores. Se levada adiante, a alteração pode fazer com que o Brasil descumpra convenções internacionais e, por consequência, perca investimentos estrangeiros.
Outras propostas, como a diminuição de penas e a obrigatoriedade de uma condenação pelo crime antecedente ao de lavagem de dinheiro também foram apresentadas.
Um dos advogados propôs, por exemplo, a diminuição da pena para os crimes de lavagem. Atualmente, a pena prevista em lei é de 3 a 10 anos. A pena sugerida durante a reunião foi de 3 a 6 anos.
Outra proposta que chamou a atenção, que também partiu de um dos advogados integrantes do grupo, tem a ver com a relação do crime antecedente ao da lavagem de dinheiro. A proposta é que a lavagem só possa ser punida quando houver uma condenação por um crime anterior, que deu origem aos valores ilícitos.
Por fim, outra proposta levantada na primeira reunião da comissão foi estabelecer que a pena para crimes de lavagem devesse ser equivalente às penas dos crimes que deram origem ao dinheiro sujo – o que também é visto como um problema por membros do MP.
A Transparência Internacional encaminhou em outubro à OCDE dois relatórios com denúncias de retrocessos no combate à corrupção no Brasil. Em um dos documentos, a ONG alerta para a criação da comissão de juristas. A TI afirma que “preocupações já surgiram” em relação ao tema, como a ausência do Coaf na comissão e “que a reforma possa minimizar os esforços do país para combater a lavagem de dinheiro”.

3. Alterações na Lei de Improbidade
Outro tema que preocupa os defensores do combate à corrupção é a tramitação de um projeto que abranda a Lei de Improbidade Administrativa. O texto substitutivo, apresentado pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), conta com o apoio do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). O texto de Zarattini afrouxa a legislação e exclui a possibilidade de punição a uma série de condutas hoje proibidas.
Práticas como nepotismo e “furada de fila” em serviços públicos, por exemplo, não resultariam mais em sanção por improbidade. O projeto prevê, ainda, limitar as situações em que um juiz pode determinar o bloqueio de bens dos acusados. O prazo de prescrições também é encurtado. E, na prática, a proposta também restringe as punições apenas a casos em que houver comprovadamente enriquecimento ilícito ou dano aos cofres públicos.
Entre as principais alterações da Lei de Improbidade administrativa que estão no relatório apresentado por Zarattini está a eliminação da forma culposa de cometimento do crime. Ou seja, apenas quando as condutas forem praticadas com dolo – ou seja, com intenção – elas poderão ser punidas na Justiça.
O relatório também prevê punições mais brandas para casos de improbidade administrativa. A suspensão dos direitos políticos de condenados por esse crime, que era de oito a dez anos, passa a ser de quatro a doze anos.
O relatório de Zarattini é fruto do trabalho de uma comissão de juristas criada em 2018 para discutir o tema. A comissão foi liderada pelo ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nos bastidores, há quem acredite que o ministro tem tentado “vender suavidade” na lei que pune políticos por atos contra a administração pública para se cacifar para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).

O Plenário da Câmara dos Deputados durante o período da pandemia de Covid -19.