A maior e mais bem-sucedida operação de combate à corrupção do Brasil recebeu seu golpe fatal no primeiro dia de fevereiro de 2021.
A força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba foi dissolvida no primeiro dia de fevereiro deste ano, por decisão do procurador-geral da República, Augusto Aras, apesar de ele mesmo ter determinado anteriormente que o grupo continuaria trabalhando na configuração atual até outubro deste ano. As investigações até continuarão, mas bastante enfraquecidas: os procuradores serão incorporados ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPF paranaense, mas apenas parte deles seguirá com os casos do petrolão.
Durante sete anos de investigação do maior escândalo de corrupção da história do país, foram 130 denúncias contra 533 acusados, resultando em 278 condenações atingindo 174 pessoas, cujas penas, se somadas, dariam 2.611 anos.
Os 209 acordos de colaboração e 17 acordos de leniência resultaram em compromissos para a devolução de R$ 15 bilhões, dos quais R$ 4,3 bilhões já retornaram aos cofres públicos, inclusive o da Petrobras.
Se mais não houve, foi apenas porque os detentores de foro privilegiado têm tido a vida facilitada pela inaceitável lentidão tanto da PGR quanto do Supremo Tribunal Federal, responsável pelos julgamentos – até hoje, o Supremo só condenou três réus da Lava Jato.
O fim da força-tarefa passou a ser uma possibilidade real desde que Jair Bolsonaro escolheu Augusto Aras para chefiar a PGR, em setembro de 2019. As críticas de Aras à Lava Jato eram já bastante conhecidas, e certamente não eram ignoradas pelo presidente da República.
Elas não só continuaram, mas também passaram a ser acompanhadas de atitudes de enfraquecimento da força-tarefa, como a intervenção para obter os dados levantados pela operação, no primeiro semestre de 2020. Em setembro do ano passado, Aras prorrogou a força-tarefa por apenas quatro meses, quando o costumeiro seria um ano; depois, estendeu sua duração até outubro, mas agora reverteu sua decisão, antecipando o fim que já se antevia.
Nunca uma operação de combate à corrupção havia conseguido mandar tantos peixes graúdos para a prisão. Nunca tantos partidos tiveram membros implicados nos esquemas. Os corruptos e seus aliados jamais assistiriam a isso passivamente
A chegada de Augusto Aras foi decisiva para o golpe de misericórdia; a desconstrução da Lava Jato já vinha de muito antes. Não é para menos: os números, embora maiúsculos, não contam a história toda. Nunca uma operação de combate à corrupção havia conseguido mandar tantos peixes graúdos para a prisão – ex-governadores, parlamentares e ex-parlamentares, chefes de casas legislativas e, claro, um ex-presidente da República.
Nunca tantos partidos tiveram membros implicados nos esquemas, prova de que a Lava Jato jamais teve o viés partidário que seus detratores tentaram lhe atribuir. Nunca houve tamanho apoio popular às investigações. Os corruptos e seus aliados jamais assistiriam a isso passivamente.
A reação ocorreu exatamente como na Itália do pós-Mãos Limpas, e de nada adiantaram os alertas dos membros da força-tarefa e do então juiz federal Sergio Moro.
No campo político, a bancada da impunidade no Congresso Nacional patrocinou e aprovou projetos de lei para atrapalhar e amordaçar agentes públicos encarregados de investigar e julgar corruptos, como a Lei de Abuso de Autoridade e a desfiguração do pacote anticrime, e agora investe na redefinição de crimes de colarinho branco para reduzir penas ou restringir as circunstâncias em que políticos poderão ser responsabilizados.
No campo midiático, Moro e a força-tarefa – e especialmente o então coordenador Deltan Dallagnol – foram alvo de fake news com as divulgações de supostas mensagens atribuídas a eles e outros procuradores, e ganhou força uma narrativa falsa sobre “abusos” cometidos pela Lava Jato sem que os patrocinadores desse discurso fossem capazes de apontar que “excessos” seriam esses, ou de comprovar que houve dolo naquelas ações mais controversas e que são passíveis de interpretação.
No campo jurídico, o STF vem desmontando o trabalho bem feito ao anular sentenças proferidas sem irregularidade alguma, e está nas mãos da corte uma ação que pode destruir de vez a operação caso se entenda que Moro não agiu de forma isenta ao condenar o ex-presidente Lula.
Tudo isso sem falar da perseguição aberta contra Dallagnol no Conselho Federal do Ministério Público, em processos movidos por políticos e ministros do STF irritados com o legítimo exercício da liberdade de expressão por parte do procurador.

Sede do Ministério Público Federal do Paraná, em Curitiba (Foto: Albari Rossi da Gazeta do Povo).