O vírus, como não tem nada além do seu RNA, precisa invadir uma célula do nosso corpo para dominar o seu “maquinário” e se reproduzir.
Quando todo esse recolhimento passar e pudermos sair à vontade para abraçar apertado, dar muitos beijos, lotar salas de cinema e estádios, espremendo-nos onde bem desejarmos sem que isso ameace a vida do próximo, dizem que o mundo já não será mais o mesmo. E, pelo menos em um aspecto, faço votos de que ele realmente não volte a ser o que era.
Se a Covid-19 — doença causada pelo coronavírus que está acuando o mundo inteiro em casa — tiver legados positivos, um deles seria criar o hábito de lavar as mãos.
A memória de uma pesquisa de 2015 realizada pelo Ibope Inteligência que, na ocasião, ouviu mais de 62 mil pessoas de 64 países. E a pergunta era simples: quem ali lavava as mãos com sabonete depois de usar o banheiro?
Acreditando todos falaram a verdade, sem jogar a sujeira (e que sujeira!) por debaixo do tapete, um em cada quatro brasileiros dava a descarga e saía dissimuladamente como quem não enxergasse a pia. Ou passava aquela água sem-vergonha, só para fazer soar o barulho da torneira.
Se a criatura não entende a importância da limpeza em uma hora dessas, não é para termos esperança de que ensaboe as mãos ao chegar da rua, entre outras situações em que a medida seria bem-vinda. Mas hoje, ao lado do bom senso — que infelizmente não jorra da torneira —, lavar as mãos é a nossa principal arma contra o coronavírus.
Talvez se pergunte: é verdade que álcool em gel não serviria para nada, como circulou por aí?
Mentira deslavada, porque ele inativa o coronavírus. Mas tem gente deixando um frasco em cada cômodo com aquela mania de, vira e volta, espalhá-lo nas mãos. Bobagem.
Se está curtindo a quarentena como ela deve ser — em casa —, melhor correr para a pia.

Como o coronavírus entra pelo cano
Álcool ou sabão?
Para entender o que um e outro faz, primeiro conheça de perto o inimigo que queremos mandar embora pelo ralo. Ele não tem mais do que 30 milionésimos de milímetro, é uma fitinha mixuruca de material genético — no caso, um RNA —, envolvida por uma capa proteica que, por sua vez, está dentro de um envelope de moléculas de gordura. E tem a cara da sua família: é cheio de espículas pontiagudas que lhe conferem a aparência de uma coroa. Daí a pompa do nome.
O vírus, como não tem nada além do seu RNA, precisa invadir uma célula do nosso corpo para dominar o seu maquinário e se reproduzir. E usa essas espículas para penetrá-la.
As moléculas do sabonete, de fato, têm a mesmíssima característica das do detergente de louça: uma parte se liga à velha molécula H2O da água. Já a outra extremidade tem predileção por gordura e se agarra a ela feito um gancho.
Portanto, com a molécula do sabonete presa de um lado na água e, de outro, no envelope de gordura do coronavírus, quando o líquido enxágua a espuma, ele acaba rasgando e arrastando essa capa com as tais espículas junto.
O rei fica nu e sem coroa, incapaz de furar qualquer célula para perpetuar o seu mal. O RNA pode até sobrar, mas é como tirar os braços de um ladrão. Ele não vai conseguir roubar sua carteira.
É isso o que acontece com 91% ou 92% dos coronavírus que, por acaso, forem parar nas suas mãos depois de você apertar o botão de um elevador, segurar no corrimão da escada rolante ou no estribo do ônibus, por exemplo.
Não há estudos sobre quanto tempo o novo coronavírus sobreviveria em diversas superfícies. Mas outros membros de sua família ficam de algumas horas até nove dias.

E esse tal do álcool em gel?
Ele é capaz de inativar 85% dos coronavírus — portanto, é menos poderoso do que o sabonete. Como? Ele desnatura proteínas. Quebrando suas moléculas. E as tais espículas que o coronavírus usa para espetar e injetar seu RNA em nossas células são compostas de proteína. Ou seja, elas somem. O corona perde a sua famosa coroa. Para isso, precisa ser álcool em gel 70%. O álcool 40% não vai funcionar.
Muito menos formulações caseiras ensinadas na web, que levam até gelatina e viram um meio de cultura para bactérias.
Uma saída para quem não encontra o produto é buscar farmácias de manipulação, que poderão preparar a fórmula do álcool em gel com um pouco de glicerina pura.
Aliás, as formulações sempre devem conter uma substância emoliente. Isso porque, embora a queratina que torna a nossa pele impermeável evite que o álcool em gel quebre as nossas próprias proteínas — e não só as dos vírus e bactérias —, o fato é que ele sozinho provoca ressecamento. E, se surgirem fissuras, elas serão brechas para germes.