O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, acompanhou a sessão que analisou hipóteses para o juiz decidir.

A audiência pública foi requerida e presidida pelo senador Sérgio Moro (Foto e Fonte: Agência Senado).

O estabelecimentos de critérios objetivos para que juízes mantenham presos ou soltem os acusados de crimes pegos em flagrante aumentará a segurança pública e diminuirá questionamentos contra as audiências de custódia, quando o investigado é ouvido pelo magistrado nas primeiras 24h da prisão em flagrante. Essa é a opinião de juristas participantes de audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) na semana que passou.

A reunião foi presidida pelo senador Sérgio Moro (União-PR), relator do projeto de lei que estabelece novos critérios para a audiência de custódia. Do ex-senador e atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, o projeto cria quatro hipóteses para o juiz decidir se o acusado é perigoso para voltar à sociedade:

– o uso de violência na prática do crime;

– a participação em organização criminosa;

– a relevância das drogas ou armas apreendidas; e

– a existência de outras investigações em curso.

Para Moro, que também é autor de projeto sobre audiência de custódia, já aprovado na Comissão de Segurança Pública, requisitos propostos no texto de Dino diminuirão a soltura de criminosos envolvidos em crimes graves ou que possam reincidir em outros delitos. Na sua opinião, esses casos geram desaprovação da opinião pública com relação à audiência de custódia, que considera um instrumento importante.

Para o senador Sérgio Moro, “embora a soltura em crimes graves ou reincidência após a liberdade sejam eventos pontuais, a falta de critérios acaba fazendo com que o instituto seja visto como “porta giratória” de criminosos para a sociedade”.

 Periculosidade

Na avaliação do juiz auxiliar de Dino no STF, Anderson Sobral de Azevedo, a percepção negativa sobre as audiências de custódia é baseada nos casos que têm repercussão na mídia. Mas ele apontou os números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que a seu ver revelam outra realidade. De 2015 a 2023, foram realizadas 1,15 milhão de audiências de custódia, sendo 632 mil convertidas em prisão preventiva.

Mais da metade daqueles levados à audiência de custódia permaneceram presos. A despeito de uma percepção da sociedade, na média a audiência de custódia contribui para a prevenção do cometimento de novos crimes.

 Direitos dos acusados

O procurador regional da República da 1ª Região Vladimir Barros Aras observou que as audiências de custódia protegem os direitos dos cidadãos acusados, por permitir ao juiz verificar se houve ilegalidade cometida na detenção, como tortura ou prisão arbitrária. Com o projeto, Aras afirmou que haverá mais segurança, pois o juiz precisará justificar sua decisão.

O texto exige que as decisões sejam fundamentadas. Essas decisões devem ser públicas, sempre que possível.

 Ministério Público

Procurador Regional da República na 4ª Região, Douglas Fischer sugeriu mudanças no projeto para evitar interpretações que dificultem a manutenção da prisão. Ele solicitou que, caso o preso em flagrante seja investigado pelo Ministério Público, o juiz também possa manter a prisão. Pelo texto, apenas inquéritos policiais e ações penais na Justiça justificam essa decisão.

Ele explicou que a prisão preventiva é o último recurso a se recorrer. Há medidas alternativas para evitar, por exemplo, a fuga do acusado. Mas Fischer apontou que a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil diversas vezes por não punir adequadamente criminosos, e que as audiências de custódia não devem ser instrumento de impunidade e insegurança.

Organizações criminosas

Aras e Fischer relacionaram os desafios do sistema de justiça com o fortalecimento de organizações criminosas. Segundo o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), as facções criminosas se beneficiam das falhas da Justiça, como o agrupamento de presos nos presídios.

O Estado brasileiro vive uma situação de guerra interna, é a realidade que não podemos fugir. Um dos calcanhares de aquiles que temos, nosso sistema penal, precisa ser melhorado. Não podemos continuar misturando nos presídios aqueles bandidos que são líderes de facção com meliantes de menor periculosidade. Se não conseguirmos consertar isso, vamos continuar fornecendo tropa para o crime organizado.

O senador Eduardo Girão (Novo-CE) também apontou a dificuldade com o crime organizado no estado do Ceará. Segundo ele, “tem que pedir autorização [para o tráfico] para entrar à luz do dia em certos bairros”.

 Dados genéticos

Em resposta a Moro, os convidados disseram ser constitucional a inclusão, no projeto, da coleta de material genético dos presos em flagrante durante a audiência de custódia. As coletas compõe o Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG), coordenado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Segundo Moro, a medida facilitará a resolução de novos casos policiais.

Histórico

Apesar de, desde 1969 a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, prever a audiência de custódia, ela demorou a ser implementada no Brasil. Sem esse instrumento, os juízes recebiam apenas em documento o relato sobre os presos em flagrantes, e decidiam sobre a manutenção ou não da prisão sem ver ou ouvir o acusado pessoalmente.

Em 2015, o CNJ implementou projeto para instituir o mecanismo jurídico, com adesão de todos os estados. Com a Lei 13.964, de 2019, proveniente do chamado “pacote anticrime”, o Código de Processe Penal (CPP) passou a prever regras específicas para as audiências de custódia, como prazos e responsabilização das autoridades pela não realização da audiência.