A demora por realização de cirurgias, a carência constante de leitos nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) da rede pública, bem como o tempo gasto com a judicialização dessas demandas, têm levado vários pacientes a óbito no Estado.
É o que revela levantamento feito pela Promotoria de Defesa da Saúde, ao confirmar que em pouco mais de 30 dias, oito pessoas morreram enquanto aguardavam por atendimento adequado.
Um desses casos ocorreu com o senhor O. A. R, cujos familiares procuraram o Ministério Público do Amapá (MP-AP) no dia 10 de dezembro de 2018, em busca de solução para a demora na realização de uma cirurgia neurológica. Internado em estado grave há mais de um mês no Hospital de Clínicas Alberto Lima (HCAL), o paciente deveria ter sido operado no dia 6 de dezembro, porém o procedimento não foi realizado.
Consta no Parecer Técnico nº168/2018 do HCAL que não havia material cirúrgico necessário: um microscópio, esponja hemostática e tela hemostática. Com isso, a cirurgia foi cancelada e não foi dada qualquer estimativa de atendimento. Diante do quadro de saúde que se agravava, a família buscou atendimento no MP-AP, na tentativa de conseguir a transferência do enfermo, por decisão judicial, para o Hospital São Camilo, onde o procedimento poderia ter sido realizado.
Ocorre que a liminar foi negada por um juiz plantonista, sob o argumento de que a decisão para o caso concreto não resolveria o problema de saúde pública que afeta toda a coletividade.
“Embora o juiz tenha admitido se tratar de uma situação de urgência e admitir a omissão do Estado, sem fundamentação jurídica, indeferiu a liminar”, manifestou a titular da 2ª Promotoria de Defesa da Saúde, Fábia Nilci.
A promotora ressaltou ainda que a família, antes de procurar a Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, buscou resolver administrativamente, junto ao Núcleo de Ouvidoria da Secretaria de Estado da Saúde (SESA), não obtendo resposta satisfatória.
“Em 17 de dezembro de 2018, o senhor faleceu, sem ter tido a oportunidade de ver seu direito consagrado à saúde garantido; sem ter tido uma reposta do Judiciário, que não precisava do orçamento da cirurgia para analisar o pedido de reconsideração deste órgão ministerial porque se tratava de caso de extrema urgência”, acrescentou Fábia Nilci.
A promotora questionou, também, ao finalizar sua manifestação: “quantas “Marias”, “Olianes”, “Raimundos” precisam morrer para se perceber que não é um privilégio, muito menos escolha deste órgão ministerial em ajuizar ações individuais para se fazer valer o direito consagrado na Constituição Federal? Nesse contexto, deixo o pensamento de Rui Barbosa para refletirmos: Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada”.
Casos recorrentes
Em situação semelhante, o paciente oncológico A.M, após esgotar todas as tratativas administrativas para que pudesse ser submetido a uma cirurgia de retirada de tumor maligno, recorreu ao MP-AP com a expectativa de que pudesse ter seu direito ao tratamento de saúde assegurado.
Ele deveria ter sido operado em 5 de dezembro de 2018, mas o procedimento foi remarcado para o dia 21 daquele mesmo mês. No entanto, novamente, por falta de material e leito de UTI, a cirurgia não foi realizada. Mesmo reconhecendo a gravidade do caso, em outro plantão judicial, a liminar foi negada.
Aumenta a procura por atendimento no MP-AP
Os dados de atendimento na Promotoria de Defesa da Saúde revelam que no ano de 2017 foram registradas 555 Notícias de Fato, instauradas 158 Ações Civis Públicas, requeridas 15 medidas protetivas, firmado um Termo de Ajustamento de Conduta e expedidas duas Recomendações.
Em 2018, foram registradas 569 Notícias de Fato, instauradas 268 Ações Civis Públicas e expedidas 10 Recomendações. Ou seja, nos últimos dois anos, 1.124 cidadãos buscaram a intervenção do MP na esperança de conseguir acesso a medicamentos, exames, Tratamento Fora de Domicílio (devido a ineficiência do Estado em diversas áreas da saúde), leitos de UTI e realização de cirurgias.
Para cada uma dessas demandas individuais, a Promotoria da Saúde ingressou com Ações Coletivas, objetivando que o problema seja solucionado em definitivo para toda a sociedade.
“Em muitas ações obtivemos a condenação do Estado, outras estão em grau de recurso ou aguardando julgamento. Evidente que a judicialização é a última alternativa, que em muitos casos, devido à demora, acaba por agravar o quadro de saúde desses pacientes. São pessoas que nos procuram em momento de grande aflição porque não encontram solução onde deveriam, mas esse é o caminho a ser percorrido pelos que buscam seus direitos básicos. Lutar por eles é o papel do MP”, finaliza a promotora Fábia Nilci.
Ações Coletivas – acesse aqui a tabela
Uma dessas ações, a de nº 0035688-06.2016.8.03.0001, cobra a ampliação dos leitos de UTI e aquisição de ventiladores mecânicos para aumentar a capacidade de atendimento na unidade. Em novembro de 2018, o Juízo da 4ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá deu prazo de 10 dias para que a SESA comprovasse as devidas providências, sob pena de multa diária e pessoal no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), ao titular da pasta.
Conforme a decisão da juíza Alaíde de Paula, no último dia 23, observa-se que justificativa apresentada pelo Estado, de que os tais equipamentos estão em fase de teste, não foram consideradas suficientes para a magistrada.
“Com razão a parte autora (MP) no que tange à falta de comprovação, mediante documentos, de que os aparelhos de respiração pulmonar mecânico estão em regular uso e que vêm tendo manutenções periódicas pela empresa contrata. Contudo, no que tange ao pedido de inspeção na UTI/HCAL, conforme requerido pelo MP, por ora, penso que não é necessário, uma vez que esta magistrada fez uma visita informal, há poucos meses, na referida unidade e detectou a precariedade na prestação dos serviços, as falhas e falta de equipamentos”, assinalou.